Falar em Línguas Hoje: Dom de Deus ou Confusão na Igreja?

Poucos assuntos no meio cristão têm o poder de gerar tanto calor, curiosidade e divisão quanto o dom de línguas. De um lado, igrejas onde a manifestação é vista como evidência essencial da presença do Espírito Santo. Do outro, comunidades que olham com desconfiança, tratando o tema como algo do passado ou, na pior das hipóteses, como desordem emocional. A discussão, muitas vezes, vira uma guerra de trincheiras doutrinárias.

Mas e se a gente estivesse fazendo a pergunta errada? E se a questão principal que Deus nos faz não for “pode ou não pode?”, mas sim “para que serve?” e “qual o seu verdadeiro lugar?”. Talvez, ao buscar as respostas certas na Bíblia, a confusão dê lugar à edificação.

O Que a Bíblia Realmente Mostra? (Atos vs. Coríntios)

Para entender o dom de línguas, precisamos olhar para os dois momentos principais em que ele aparece no Novo Testamento, pois eles são diferentes e se complementam.

Primeiro, temos o espetáculo de Atos 2. No dia de Pentecostes, o Espírito desce e os discípulos falam em “outras línguas”. O texto deixa claro que eram línguas estrangeiras, idiomas humanos conhecidos. A multidão, vinda de diversas nações, ficou perplexa porque cada um ouvia a pregação em sua própria língua materna. O propósito aqui foi um sinal evangelístico poderoso e inconfundível.

Depois, temos a correção pastoral de 1 Coríntios 14. Aqui, Paulo se dirige a uma igreja cheia de dons, mas com muita desordem. Ele descreve um tipo de língua que é espiritual, que “ninguém entende”, pois quem fala “não fala aos homens, mas a Deus” (1 Coríntios 14:2). São as chamadas línguas estranhas ou espirituais. O propósito, nesse caso, não é a pregação para incrédulos, mas a comunicação do nosso espírito com Deus.

A Regra de Ouro de Paulo: Tudo para Edificação

Ao entender que existem diferentes manifestações, Paulo nos dá a regra de ouro para governar a prática dentro da igreja. Ele valida o uso pessoal do dom, dizendo: “Quem fala em língua a si mesmo se edifica…” (1 Coríntios 14:4). É um dom para o nosso fortalecimento particular, em nossa vida de oração.

No entanto, para o culto público, o critério é outro, e ele é inegociável: a edificação da igreja. Tudo o que é feito no culto deve servir para fortalecer, consolar e instruir os irmãos. Por isso, Paulo é enfático: se alguém falar em línguas em voz alta, é obrigatório que haja interpretação, para que todos compreendam a mensagem e sejam abençoados. Sem interpretação, o dom não edifica a comunidade. A lógica de Paulo é simples e poderosa: “dou graças a Deus por falar em línguas mais do que todos vocês. Todavia, na igreja, prefiro falar cinco palavras compreensíveis para instruir os outros a falar dez mil palavras em língua” (1 Coríntios 14:18-19).

O Caminho “Mais Excelente” que Coloca Tudo no Lugar

Mas a lição mais importante de Paulo sobre os dons não está no capítulo 14, e sim no 13. Entre a lista de dons (cap. 12) e as regras para o uso deles (cap. 14), ele faz uma pausa para nos apresentar o “caminho sobremodo excelente”: o amor.

Ele começa o capítulo 13 com um soco no estômago da nossa vaidade espiritual: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o sino que ressoa ou como o prato que retine” (1 Coríntios 13:1). O que ele está dizendo é devastadoramente simples: o dom mais espetacular, usado sem amor, é apenas barulho. É inútil. A verdadeira medida da espiritualidade não é o dom que você manifesta, mas o fruto que você produz. O amor, a alegria, a paz, a paciência… isso sim é a evidência inequívoca de um coração cheio do Espírito.

Então… Dom de Deus ou Confusão na Igreja?

O dom é de Deus. A confusão vem do nosso coração. Ela nasce quando arrancamos o dom de seu propósito (a edificação) e de seu ambiente (o amor). A confusão vem quando usamos um presente de Deus para promover a nós mesmos, para criar um ranking de “supercrentes” ou para desprezar irmãos que têm uma experiência diferente da nossa.

O desafio bíblico, portanto, não é escolher um lado na guerra doutrinária. É fazer um autoexame:

  • Se você fala em línguas, sua prática tem sido para sua edificação e, principalmente, motivada por um amor que busca edificar a sua igreja com ordem e decência?
  • Se você não fala ou é cético, você demonstra amor, respeito e unidade para com seus irmãos que vivem uma experiência genuína, ou você os julga e causa divisão?

No fim, a meta não é ganhar um debate. A meta é que, com ou sem línguas, com ou sem profecia, a nossa vida e a nossa igreja glorifiquem a Cristo. A busca não deve ser apenas pelos dons, mas, acima de tudo, pelo Doador.

E você? Como essa perspectiva muda sua forma de ver o dom de línguas e os dons espirituais em geral? Sua busca tem sido pelos dons ou pelo Doador? Vamos conversar nos comentários com amor e respeito.

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